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Resenha | As obsessões e o amor no romance ‘Minha querida Aline’

por Nilda de Souza
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Será possível fazer a crítica de uma obra de um amigo? Esta pergunta balança o imaginário de artistas e críticos que tendem para ambos os lados, do sim e do não. Eu, particularmente, não sei dizer. Isso porque, ao criticar a obra de um amigo, posso elogiar pela amizade; posso esculhambar por despeito. E a imparcialidade do crítico, ela existe? Pode até existir, mas será que existe amizade imparcial? A separação profissional da amizade é fundamental neste quesito, e será o leitor o meu crítico e dizer se fui, ou não, imparcial.

O que sei é que ser amigo de Marcelo Vinicius me ajudou bastante em meu passeio por Minha querida Aline, seu mais novo livro. Não que seja uma obra complexa de ser lida por quem o desconhece. Não, não, muito pelo contrário. O digo porque há muito de Marcelo no protagonista-narrador da história. Assim como também há muita invenção da imaginação fértil do escritor. E este confronto entre o sujeito real, que se põe no papel como um espelho, e a sua criação fictícia concede ao personagem a sua ambiguidade. As suas confusões morais. Confusão, aliás, é uma boa palavra para definir brevemente este protagonista. Isso porque ele é um sujeito confuso que cria ideias mirabolantes, desenvolve teorias para basear suas ações em algo racional, quando seu ser prático é extremamente emotivo. Ele tende criar um mundo pessoal racionalista, mas quando as emoções falam mais alto ele abandona qualquer resquício de razão. Tudo movido por um sentimento que ele já expressa na primeira página do escrito: o amor.

O amor que ele diz ter por uma garota da universidade em que estuda – a Aline do título – é o que move a trama, move o personagem, move suas tentativas de formulações filosóficas sobre o mundo e os homens. E foi neste ponto que se deu meu primeiro desconforto com o livro: o narrador repete excessivamente que está apaixonado. Repete quase a cada página esta paixão. Repete quase que se valendo das mesmas palavras. O que poderia parecer um recurso limitado de escrita por parte do autor da obra demonstra em Minha querida Aline o oposto: a obsessão.

É por meio da repetição que percebemos a obsessão do narrador pela tal Aline. E este sentimento ainda é temperado com um algo a mais, a impossibilidade dele de tê-la: a menina é lésbica. Ele não poderá, nunca, ter a garota como amante, mas a quer. A deseja. E deixa isso explícito em cada ação, em cada gesto, em cada ideia, em cada linha das anotações que escreve. Se num primeiro momento nosso desconforto, enquanto leitores, é com a repetição da afirmação de que o narrador está apaixonado por Aline, num segundo momento é perceptível que ficamos desconfortáveis com a atitude do jovem. Novamente: desconfortáveis com sua obsessão.

O romance nos permite invadir a mente do narrador que se desnuda emocionalmente em suas páginas, sempre imaginando escrever para alguém. Este desnudar emocional é proposital. Com frequência ele se volta ao leitor, o que o torna mais estranho ainda. Por que alguém escreveria algo tão perturbador assim, algo tão íntimo, para expor ao mundo? Todos os planos de, até mesmo, matar outrem. A apresentação do subjetivo do narrador é incômoda. Ficamos presos à leitura daquele relato, mas não torcemos por ele. O protagonista está longe de ser um mocinho com o qual venhamos a nos identificar.

Neste tópico, a influência de Dostoievski se mostra bem clara na obra de Marcelo, assumidamente fã do escritor (assim como seu personagem). Se em Crime e castigo o russo desnuda a mente de um sujeito inteligente para mostrar todos os seus tormentos, em Minha querida Aline Marcelo fará semelhante. Mas desta vez não haverá compaixão por seu personagem, e as atitudes por ele tomadas sofrerão consequências drásticas não reversíveis – o que caminha num sentido contrário ao final da obra citada de Dostoievski. É sonhada a salvação pelo amor esperada pelo narrador leitor de Crime e castigo, apesar de nos perguntarmos: ela já não estaria ali, o tempo todo e somente ele não vê?

O amor, caro leitor, é o principal motivo em Minha querida Aline. É a compreensão de que o outro também possui a liberdade, a capacidade, e a vontade de amar a quem quiser. Este tema universal deixa-nos bem clara uma das virtudes deste livro: a possibilidade de falar a qualquer pessoa, de qualquer lugar, de qualquer momento histórico. Uns poderão ficar mais escandalizados. Outros poderão partilhar a visão do narrador. Outros poderão ficar, ainda, indiferentes. Mas todos enxergarão ali o amor em suas mais diferentes formas (o difícil será aceitá-lo, mas aí já não é culpa do autor). Este conceito, tão difícil de desenvolver até mesmo por filósofos, escapa das páginas de Minha querida Aline da simples convecção das histórias de amor garoto-conhece-garota para se tornar uma provocação. Na obra, o amor está em todos os cantos, em todos os gestos. Cabe-nos enxergar o amor em suas diferentes formas ali, na história, para que possamos enxergar em suas mais diferentes formas aqui, no mundo real.

Por Yves São Paulo, graduando em Filosofia pela UEFS e editor da Revista Sísifo – Homo Literatus – Blog pessoal: Siga a Cena

INFORMAÇÕES EXTRAS SOBRE O LIVRO:

O escritor vencedor do Prêmio Nacional Sesc de Literatura Rafael Gallo comenta a obra: “Minha querida Aline”, romance de estreia de Marcelo Vinícius, acompanha um protagonista apaixonado pela garota do título, com quem não pode consumar um relacionamento erótico, já que Aline é homossexual e tem uma namorada.

Com uma abordagem calcada no pastiche, o autor dá voz a um personagem-narrador cujas características remetem a obras de escritores e filósofos como Nietzsche, Dostoiévski, Goethe e outros, não somente por conta das citações diretas a seus escritos, mas pela própria linguagem do texto – cujo tom sentimentalista e trágico remete ao jovem Werther e à literatura romântica do séc. XIX – ou em determinadas ações, tais quais a tentativa de assassinato da amiga de Aline e suas justificações teóricas, que rememoram o Raskólnikov de “Crime e castigo”.

Os solilóquios do protagonista, escritos na forma de um diário confessional, revelam a face da paixão mais ligada à raiz etimológica da palavra, que vem do latim passio e significa sofrer, padecer.

Por Rafael Gallo, autor de “Réveillon e outros dias”, livro vencedor do Prêmio Sesc de Literatura na categoria “Contos”. Resenha enviada para Seção de Colaboradores. Os nós da rede publica textos, os chamados Guest Post, que é um post escrito por outra pessoa que não é o dono do blog. Para saber mais informações acesse aqui.

Ficha Técnica
Título: Minha Querida Aline
Autor: Marcelo Vinicius
Editora: Multifoco
Edição: Impressa
Páginas: 114
Sinopse: 
Mais que uma história de amor, esta obra traz a trajetória de um jovem apaixonado, porém devastado, narrando suas aflições amorosas ao próprio leitor. Ele conta sobre um amor não correspondido, intenso e tempestuoso. Desde o início, ele soube que sua amada Aline não poderia ser sua, pois ela não gostava de garotos.
Mas o tempo é um martírio para as almas envoltas pela paixão. Com o convívio diário, o jovem se apaixonava cada vez mais por ela. Passeios na universidade, longas conversas, reflexões, confissões foram momentos que contribuíram para fazer com que se esquecesse do mundo e só visse importância em Aline.
Ele não consegue esquecê-la e se culpa por isso. Por vezes, depois de tomar atitudes que beiravam a loucura para tentar conquistá-la, justificando-as com a teoria do amor puro (visão particular desse jovem em relação à citação de Nietzsche “aquilo que se faz por amor está acima do bem e do mal”), sabia que nunca poderia tê-la, mas, ao contrário de outros livros, aqui, esse amor não o fortalece, e sim, o destrói. Assim, encontramos a contradição de uma alma, que vai da extrema contração do ódio à redenção pelo amor.

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