Fiz uma leitura do conto Um homem célebre, de Machado de Assis, em que aponto a possibilidade de classificá-lo na categoria de literatura negra ou afro-brasileira.  Você já leu esse conto?! É maravilhoso.

O conto Um homem célebre, de Machado de Assis (Várias histórias, 1896) conta a história de Pestana, um famoso compositor de polcas. Apesar da fama, Pestana sente-se infeliz, pois gostaria mesmo era alcançar a glória dos grandes compositores europeus da música clássica. O sucesso de Pestana o envergonha e a náusea, sem deixar de atraí-lo. Pestana busca inspiração em Mozart e Beethoven, mas quando começa a compor a sonata, sempre termina, autenticamente, compondo uma nova polca e esta acaba fazendo grande sucesso, sendo comercializadas as partituras e tocadas nos saraus e bailes da noite carioca.

Um homem célebre: literatura negra

Em uma análise do plano explícito de Um homem célebre, podemos verificar que o conto aborda as seguintes questões: cultura erudita versus cultura de massa e o início do interesse mercadológico pela música popular urbana. Esses pontos são verificados ao longo do conto, quando o protagonista, Pestana, se vê entre o seu grande desejo de compor sonatas, mas é impelido sempre, por uma força incompreensível, a compor polcas. E essas composições logo se tornam grande sucesso, tanto nos saraus, quanto na comercialização das partituras. Pestana persegue a glória dos clássicos, porém é o sucesso das massas populares que o alcança. 

Fazendo uma análise mais atenta do conto, podemos verificar que Machado aborda outras questões, extremamente, importantes no contexto social e cultural da sociedade brasileira e, principalmente, para os afrodescendentes. De forma genial, ele traz à tona o processo de mudança que estava passando o contexto musical e social brasileiro, nos anos de 1870. 

A palavra “maxixe” evoca a hibridação da música dos escravos com o gênero polca, dança de salão introduzida no Brasil por volta dos anos 1844 e 1846. O gênero maxixe já estava presente no contexto sociocultural brasileiro, porém não era nomeado como tal, pois em uma sociedade conservadora e preconceituosa, era inadmissível admitir que a música do negro fosse apreciada. Além disso, o conto sinaliza para o fato de que, naquele contexto, o público apreciador da música clássica ainda estava iniciando.

Os títulos “Não Bula Comigo, Nhonhô” e “Candongas Não Fazem Festa”, polcas compostas por Pestana, fazem referências explícitas à africanidade, tanto na linguagem como na construção rítmica. Além de remeter ao assédio sexual de escravas pelos senhores. Na mesma época em que é ambientado o conto, o pianista e compositor Ernesto Nazareth, negro, compunha os chamados tangos brasileiros e os títulos “Cruzes, perigo” e “Não caio noutra” são, extremamente, representativos para o contexto em que vivia a sociedade brasileira. Parece-nos que Nazareth acompanha o amaxixamento das polcas, mas opta por títulos que vela a afrodescendência. 

Há, ainda, no título “A Lei de 28 de Setembro” uma velada referência às circunstâncias políticas envolvendo a Lei do Ventre Livre. 

Toda a análise acima confronta as críticas feita a Machado de que ele se absteve em assumir posicionamentos relativos à política, à ética, à etnia negra, à escravidão ou à afrodescendência. 

Leia o trecho: 

Veio a questão do título. Pestana, quando compôs a primeira polca, em 1871, quis dar-lhe um título poético, escolheu este: Pingos de Sol. O editor abanou a cabeça, e disse-lhe que os títulos deviam ser, já de si, destinados à popularidade, ou por alusão a algum sucesso do dia, — ou pela graça das palavras; indicou-lhe dois: A Lei de 28 de Setembro, ou Candongas Não Fazem Festa. 

— Mas que quer dizer Candongas Não Fazem Festa? perguntou o autor. 

— Não quer dizer nada, mas populariza-se logo. [p.13] 

Por fim, vale ainda ressaltar que a vocação autêntica de Pestana, em compor polcas, promove uma discussão sobre o valor da arte popular. Não há no conto uma valoração da cultura clássica. O objetivo de Machado é destacar que há autenticidade e qualidade estética das composições de Pestana, pois suas composições são fruto da inspiração e da singularidade. 

Este texto foi publicado no Junipampa

O conto está disponível em: Domínio Público 

Imagem: Google 

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